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Como deixei a cracolândia e entrei na faculdade de Direito

Publicada em 10/06/17 as 13:53h por Gabriela Di Bella e Gui Christ - 298 visualizações

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 (Foto: Gui Christ/BBC BRASIL)

"Acharam que eu estava derrotado, quem achou estava errado, eu voltei, tô aqui, se liga só, escuta aí."

É na forma de rap que Tiago Ideal Nogueira, de 35 anos, conta a história de sua sobrevivência a quatro anos na cracolândia, na região central de São Paulo.

O ex-"noia" - forma como os usuários de crack costumam ser chamados na cidade - atualmente é missionário, ajudando dependentes a deixarem a droga, produziu o seu primeiro CD de rap e, em 2016, foi o melhor aluno do curso na faculdade de Direito privada que frequenta na zona leste de São Paulo.

Ele lembra exatamente o momento em que decidiu mudar de vida.

"Entrei pela porta da Cristolândia (ONG que auxilia usuários do crack a deixarem a droga) no dia 8 de maio de 2012, às 15h30, após quatro anos vivendo no fluxo", diz Nogueira à BBC Brasil na praça Princesa Isabel, onde ele foi conversar com usuários da nova cracolândia que se formou no centro paulistano após a mais recente ação policial no local anterior, perto dali.

Agora, após dois anos de tratamento nas fazendas da ONG e um ano como missionário - ouvindo, ajudando no banho, servindo comida e convencendo usuários a aceitarem o tratamento -, ele quer trabalhar no setor público, mas com foco justamente em viciados.

"Meu sonho é ser defensor público", afirma.

Bolsista na faculdade graças a um acordo com a ONG, Nogueira tem notas altas em quase todas as disciplinas. "A matéria que mais gosto de estudar é Direito Civil, e tirei nove notas 10. Estou no segundo ano e luto para manter esse ritmo."

A coordenadora do curso, Eliana Berta Fernandes Corral, afirma que Tiago é destaque em meio aos 600 alunos de seu corpo discente.

"As notas dele são realmente acima da média, e ele sempre participa das aulas e das nossas atividades. Temos orgulho dele na faculdade."

Nogueira cantando rapDireito de imagemGUI CHRIST/BBC BRASIL
Image captionEntre seus projetos está se tornar defensor público

Diálogo

Nascido na zona norte de São Paulo, Nogueira perdeu a mãe aos 12 anos e o irmão mais velho aos 15 - ambos tinham HIV. Sua avó morreu de câncer quando ele tinha 20 anos.

Ele vivia com o tio e diz que nunca lhe faltou nada em termos materiais. "Eu morava bem, trabalhava com meu tio e andava com carrão, bem vestido e perfumado", lembra.

Entretanto, o que mais faltava era diálogo, conta. "Não tive pai, nunca soube quem ele era, e sentia falta de uma orientação, de alguém com quem conversar. Meu tio me dava tudo, menos isso."

Nogueira começou a usar drogas na adolescência, quando saía à noite. "Comecei a usar cocaína na balada, (junto com) bebida. Para um adolescente, estava tudo legal", conta. Até que provou o crack.

"Ele (o crack) seguia sempre comigo. Eu trabalhava e ia para as baladas com ele junto, até o momento em que ele pede exclusividade. E, em 2009, eu fui morar nas ruas por causa disso."

Nessa mesma época começou a se envolver com a pichação, o que envolvia escalar prédios altos - "subi e pichei diversos prédios famosos de São Paulo".

Em 2010, caiu e quebrou vários ossos quando grafitava um edifício da avenida Brigadeiro Luís Antonio, na região central da cidade. Quase morreu. Apesar disso, não abandonou o gosto pela atividade - mas hoje faz grafites pedindo autorização dos donos dos muros.

Nogueira com as pessoas que ajuda na cracolândiaDireito de imagemGUI CHRIST/BBC BRASIL
Image captionNogueira tenta convencer usuários a buscar tratamento

Sonho

Foi um sonho com a avó que mudou sua vida.

"Um dia sonhei que tomava um refrigerante com a minha vó e conversei muito com ela. Acredito que ela me mandou uma mensagem. Na época, andava de muleta. Acordei, me olhei no espelho e percebi que tinha me tornado um farrapo humano. Estava muito magro, 'noia' e de muleta, tinha passado quatro dias fumando crack direto", lembra.

Foi nesse momento que decidiu buscar ajuda na Cristolândia.

Nogueira diz que o período mais difícil foram os primeiros seis meses.

"O corpo pede a droga e você tem que lutar para se manter na abstinência. Tinha muito desejo de fumar, muita fome, e dormir era complicado."

Ainda assim, conta que não teve nenhuma recaída.

Ele se tornou evangélico dentro da Cristolândia. "No começo foi difícil. Eles falavam que Deus é bom, eu só pensava que havia perdido toda minha família - e isso era Deus sendo bom? Eu ficava revoltado", explica. Depois de 15 dias de tratamento, diz ter tido "um encontro com Deus". Hoje se considera um missionário.

Já o rap surgiu dentro das atividades de música durante o tratamento, e hoje ele o utiliza para transmitir apoio aos usuários de crack. Nogueira compõe e canta em igrejas e nos cultos da ONG e gravou um CD que se chama Divinamente Rap.

Também quer desenvolver, com ajuda de um amigo, um aplicativo para agilizar a busca de vagas para tratamento de dependentes químicos, organização da internação e sistemas de logística da ONG que o resgatou.

Abordagens

Nogueira vê com ceticismo a operação policial realizada pelo governo na cracolândia.

"Sabemos que há interesse imobiliário em revitalizar a área, mas é preciso cuidar das pessoas. Só agir com autoritarismo não resolve. Assim, a cracolândia nunca vai deixar de existir", opina.

Ele se queixa de ter sido abordado "a vida inteira" por policiais e ter sido tratado como "negão e bandido".

Em uma viagem recente à praia, foi parado por um policial e retrucou: "Olha o constrangimento que o senhor está me fazendo eu passar. Eu sou missionário, eu dou banho em noia, eu faço aquilo que o senhor não faz".

Sobre a vida na cracolândia, recorda que cada dia era "uma guerra".

"Você levanta de manhã, começa a batalha. Onde você vai comer, e como vai conseguir dinheiro. É impossível não entrar no esquema, você é obrigado a aprender as táticas - sempre ter um cigarro ou uma cachaça na mão para vender."

Do ponto de vista das estatísticas, Nogueira é um sobrevivente: segundo pesquisa da Unifesp, 30% dos usuários de crack morrem antes de cinco anos de consumo da droga.

Ele credita sua sobrevivência ao medo "de levar facada", que o fazia evitar dormir na rua - pagava por uma cama nos albergues baratos da região.

Hoje, diz que sua maior luta é contra si mesmo.

"Nunca posso achar que estou bem, sempre estou em progresso. Ajudar as pessoas me faz bem, porque todos os dias me deparo com a realidade que vivi."






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