Há 50 anos, Elis Regina recebia um conselho de Vinicius de Moraes em um bilhete, pouco antes de subir ao palco no 1º Festival Nacional da Musica Popular Brasileira. "Arrasta essa gente aí, Pimentinha", pedia o poeta. Ao que consta na história, Elis Regina fez a interpretação da sua vida, girando os braços freneticamente, conforme a canção "Arrastão" crescia para explodir no verso: "Valha-me meu Nosso Senhor do Bonfim / Nunca, jamais, se viu tanto peixe assim".
Composta por Vinicius e Edu Lobo, "Arrastão" venceu o festival realizado pela TV Excelsior, que lançou a semente da MPB tal como a conhecemos hoje. A partir dali, a música brasileira encontraria na TV seu principal difusor e passaria a ser conhecida pela abreviação MPB -uma decisão prática, já que o nome inteiro do festival não cabia nas manchetes dos jornais.
Não foi exatamente o primeiro festival do país. Houve tentativas anteriores em fazer uma versão tupiniquim do famoso festival italiano de San Remo, mas o produtor musical Solano Ribeiro, grande idealizador deste e dos seguintes festivais de música, sentia um vento batendo diferente na metade dos anos 1960. Diante da queda de popularidade da Bossa Nova, nascia uma nova música, criativa e arejada, que se reproduzia aos montes nos becos, bares, teatros e universidades. Era a hora e a vez de compositores novos, como Baden Powell, Edu Lobo, Caetano Veloso,Francis Hime e um estudante de arquitetura chamado Chico Buarque de Holanda.
"Existia uma confluência de gêneros, era um movimento musical atrás do outro, uma grande onda de criatividade começando a botar a cara", relembra o músico Roberto Menescal. Produtor de célebres discos de Elis Regina, Chico Buarque, Maria Bethânia e Maysa, ele também foi um dos compositores que participaram da seleção com a canção "Por quem Morrer de Amor", escrita em parceria com Ronaldo Bôscoli. Como ele mesmo imaginava, a música morreu na terceira eliminatória. "Eu nunca acreditei que pudesse vencer com uma música romântica enquanto outras tantas vinham com posturas mais fortes e desafiadoras".
Assim foi aberta a inscrição para os compositores, enquanto os intérpretes, com status de astros, seriam escolhidos pela direção. Wilson Simonal, Claudette Soares, Geraldo Vandré, Agnaldo Rayol, Agostinho dos Santos, Altemar Dutra, Cauby Peixoto, Cyro Monteiro, Elizeth Cardoso, Miltinho, Elis Regina e Orlando Silva defenderam 36 das 1,2 mil canções inscritas.
"Eu já havia realizado eventos menores de sucesso com aquele elenco, o que me dava certeza que a resposta do público seria favorável. O que não imaginava era o tamanho do sucesso", relembra o produtor Solano Ribeiro, ao UOL. Para manter a maresia do balneário de San Remo, ele adaptou o regulamento do evento italiano e escolheu um local análogo para sediar o festival: Guarujá, no litoral paulista.
O pesquisador Zuza Homem de Melo em breve transformaria o festival no grande sucesso da TV Record, mas em 1965, ele era um mero espectador. "A grande transformação foi a de ser um programa de televisão com competição de canções e participação do público torcendo abertamente. Na música, viu-se que as canções da Bossa Nova não teriam êxito nos festivais. Surgiu um novo formato denominado canção brasileira tipo festival", conta.
Na final, no dia 6 de abril, no Rio de Janeiro, "Arrastão" conquistou o troféu Berimbau de Ouro. Melodia assobiável, o arrebatamento na voz de Elis, a performance teatral com os braços giratórios- que lhe renderia o apelido de Hélice Regina--, e a letra forte de Vinicius e Edu Lobo eram itens essenciais à nova receita.
Pouco tempo depois, canções como "Domingo no Parque" e "Alegria, Alegria", de Gilberto Gil e Caetano Veloso, respectivamente, subverteriam a fórmula. "O governo não percebeu que as canções poderiam se tornar uma bandeira da classe universitária contra a censura e contra a ditadura militar", observa Zuza.