Suponho que o personagem à epígrafe, de nome inusitado, de quem quase nada se conhece, mereça ser resgatado do anonimato histórico, de modo a melhor atestarmos a sua saga, a sua glória, e, afinal, algumas infelicidades, causadas por problemas diversificados. Discorrerei, de forma sucinta, fragmentos relacionados às atividades dessa figura respeitável, sobre quem desconheço haver praticado qualquer tipo de ação nociva a nossa sociedade.
Faltam-me elementos históricos para poder escrever texto mais encorpado. Nasceu em Aracati, em 14 de outubro de 1830, falecendo em 29 de outubro de 1896, no Rio de Janeiro, onde está sepultado no Cemitério do Caju.
Sua mãe, Maria Palácio Pamplona, era sobrinha de Costa Barros, nascidos também em Aracati, tendo ele sido governador das Províncias do Ceará e do Maranhão. Era casado com Erifila Rosa Pamplona, filha de seu tio Frederico Pamplona, portanto, primos legítimos e conterrâneos.
Iclirérico exerceu diversos cargos públicos no Rio de Janeiro e no Estado de São Paulo. De volta ao Ceará, foi deputado provincial. Era Moço Fidalgo da Casa Real e Comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, uma ordem dinástica portuguesa. Iclirérico era proprietário do terreno onde se construiu a famosa Rua Senador Dantas, no Rio de Janeiro. Dizem que enriqueceu vendendo lotes de terrenos desse logradouro.
Relatos históricos, tisnados de segregação, tão em voga àquela época, dão conta de que Dona Erifila era um vulto nefasto. Não se entendia o seu casamento com o Comendador Iclirérico. Enquanto ele, alto, elegante, repleto de calma e distinção, sua mulher era baixinha, atarracada e deserta de beleza.
Se não bastassem esses aspectos indesejáveis, especialmente às mulheres, Dona Erifila vivia constantemente irritada, de alma repleta de amargura. Era uma megera e escravocrata declarada, segundo opinião do escritor Pedro Nava, sobrinho de seu marido. Ninguém compreendeu esse casamento, num atestado de que união da espécie nem sempre é o resultado da inclinação de dois seres um pelo outro, mas, às vezes, da aliança de interesses obscuros. Na longura dos fatos aqui relatados, à falta de explicação mais plausível, mesmo expondo-me a riscos, sou levado a acreditar, com pingos jocosos, que o vínculo conjugal de Iclirérico com Erifila deveu-se a bizarrice de seus nomes.
Erifila não gostava de recepção em sua casa e, quando constrangida a isto, fazia-o com ostentação e grosseria. Gostava de se exibir nos bailes, isso, sim, notadamente nos da Corte, onde com frequência se fazia presente, trajando vestidos caríssimos, o qual requeria corpos mais elegantes e flexíveis, distintos, pois, do seu. Mostrava-se para a plateia colocando as mãos ao lado do corpo como se cintura tivesse. Já o seu marido, o Comendador Iclirérico, de conduta discreta, era um cidadão muito respeitável nos meios sociais do Rio de Janeiro, onde tinha muitos amigos de destaque, como, por exemplo, o Visconde de Ouro Preto (Afonso Celso de Assis Figueiredo), o mais íntimo de todos. Até mesmo o Imperador Pedro II o respeitava. Semanalmente, Iclirérico convidava alguns amigos para um jogo de nome “voltante”, em sua belíssima residência, no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Logo após divertirem-se, era servido um jantar, acompanhado de sobremesas variadas.
Com o passar dos tempos, Dona Erifila começou a implicar com o jogo, à toa. Não apreciava jogatina em sua casa, dizia, aos gritos. Iclirérico não atendia aos seus propósitos. Dona Erifila, por desforra, começou a tratar os convidados com desconsideração, na ausência destes. Como o divertimento dava continuidade, as reclamações se amiudavam, provocando altercações entre o casal.
Certa vez, ela preparou uma compoteira para ser servida na sobremesa. O recipiente, ao invés de conter as iguarias, tinha, em si, apenas papelotes escritos com agressões aos participantes do jogo. O marido, ao ver o que a mulher havia feito, ainda na presença do Visconde de Ouro Preto, foi acometido por síncope cardíaca, caindo ao chão. Morreu um mês depois, aproximadamente. Pelo visto, o projeto arquitetado por Dona Erifila deu certo, pois, para ela, supõe-se, a morte do marido era o que ela mais desejava. Livrou-se também, por completo, da jogatina em sua casa.
Fortaleza, 22 de fevereiro de 2024
José Nilton Fernandes