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O MEDO: DA ESCURIDÃO, DA MORTE E DE MODO GERAL

Publicada em 17/03/24 as 08:47h por José Nilton Fernandes - 9 visualizações

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 (Foto: Reprodução Google )

A Ciência, escavando os arquivos da terra, nos indica que o medo, fundamentado ou não, parece ter surgido simultaneamente ao aparecimento dos primeiros homens. A partir daí, um não vive sem o outro, como se fossem irmãos siameses que não se separaram. Assim, surge uma verdade, baseada, por dedução, no que já foi dito: não há ninguém neste mundo que não tenha medo. Caso possa existir, certamente não possui a natureza humana ou é muito mentiroso. Os animais têm medo apenas de ser devorados, não possuindo outros temores. A irracionalidade não os permite a ter consciência sobre a sua finitude. O homem, ao contrário, sabe, desde a mais tenra idade, que um dia morrerá. 

Para afugentar o perigo, ou a própria morte, os homens costumam usar amuletos, enquanto os animais não os usam.  Desse modo, não resta dúvida de que o medo é muito importante para a humanidade. É próprio da nossa natureza, agindo como uma proteção indispensável, um escudo contra os perigos, um reflexo, finalmente, que permite ao organismo escapar provisoriamente à morte. Sem o medo, afirma a Antropologia, nenhuma espécie teria sobrevivido. Mas, se ultrapassa uma dose suportável, ele se torna patológico e cria bloqueios. Pode-se morrer de medo, ou ao menos ficar paralisado por ele”. Sancho Pancho, personagem do livro Don Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes, inferiu que o medo é tão importante que nos ensina até a rezar.  O medo patológico, entretanto, pode distorcer os fatos, tal qual um caçador aracatiense que atirou, segundo ele, em um lobisomem saruê, espécie raríssima em todo o mundo, já tida como extinta, nas imediações da Lagoa do Caraço. 

Nasci numa época em que o medo fazia parte da pedagogia sádica de “acalmar” as crianças, para torná-las obedientes aos pais e aos mais velhos. Vai dormir, senão o babau vai te comer, e assim por diante. À proporção que o sol se deitava no horizonte, vinha habitar, no mesmo ritmo, nas crianças da minha geração, o medo da escuridão noturna, obscurecendo também as nossas almas, por trazer, em consequência das trevas, imensa tristeza. Isso representava legado de nossos ancestrais que julgavam que a noite era densamente povoada de fantasmas, lobos-maus, lobisomens e uma gama de seres maléficos que nos visitavam nesse período, ocultando-se entre as densas trevas. Eram seres tão tenebrosos, dizia-se, que faziam tremer de medo as mais cruéis feras selvagens. Acreditava-se que a terra pertencia, de dia, aos vivos e, à noite, aos mortos. Esses exotismos faziam parte do imaginário popular de então.

Não bastasse essa visão nefasta, a energia elétrica de Aracati, gerada a partir de motores a diesel, era desligada às 10 horas da noite. Era a hora do sono, improrrogável, logo após as orações de costume.  Depois disso, era cerrar as pálpebras e esperar o sono chegar. Nesse ínterim, por mais que se tentasse esquecer, vinham à nossa mente imediatamente as histórias mal-assombradas escutadas nas calçadas. Rezava-se para que o sol logo aparecesse, enxotando as trevas, como se todo o mal fugisse com o ressurgir da claridade. Não se aconselhava sair pela cidade em noite escura, pois, esse período era reservado exclusivamente às entidades malfazejas. Hoje, fico a espreitar por detrás da cortina das eras, e vejo o quão era diferente o cotidiano de outrora. Tudo se transforma. Até mesmo os mitos se modificam, quando se deixa de neles acreditar. É natural que os humanos possam se libertar daquilo que os atrapalhou numa fase da vida, como a crença em fantasmas e na admiração sem sentido nos mitos de cera, tal como um devotamento desvairado a um energúmeno da política brasileira, ainda em liberdade, moldado a partir de matéria pútrida, produzido por operários aprendizes de imagens do demônio.

Em Aracati de antanho havia mais almas pelas ruas, à noite, do que pessoas dormindo. Difícil haver alguma casa onde alguém não houvesse topado com alguma alma. Havia até cachorros que latiam para o nada. Como o nada não existe, deduziram, então, que os bichinhos estavam acuando almas de preá. Meninos vistos à noite, depois das dez, só aqueles muito corajosos. Como não havia crianças desse naipe, concluiu-se que eram malucas, mesmas.

Aos sete anos, mesmo à distância, assisti pela primeira vez a um cortejo fúnebre, fato incomum no Aracati de então. Não sei quem havia morrido. O séquito era então formado por poucas pessoas; todos, homens simples, marchando em passos lentos em direção à Igreja Matriz. Tentei me aproximar sem medo o máximo que pude daquele cordão. Porém, ao ouvir o som monocórdio do sino, meus cabelos reagiram de forma instintiva, arrepiando-se. Corri, a toda velocidade, só parando quando cheguei em casa. Acordei, sem saber quem era, muito menos onde estava, de tão perturbado que fiquei.

À noite, no silêncio da rede, meu pensamento rodeava aquele caixão, perscrutando como seria o jeito da pessoa ali depositada. Foi então que comecei a meditar: como será o cotidiano da vida além-túmulo? Não obtive resposta clara, imediatamente. Todavia, a voz lenta e progressiva do tempo me falou, oportunamente: nem os próprios mortos que estão nesse plano nada sabem, imaginas tu, pobre criatura!

Fortaleza, 15 de março de 2024
José Nilton Fernandes





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