É mais do que uma história de superação, é uma virada de transformação, de uma vida de dor e luta. Aos 62 anos, a mãe Míriam Duarte conquistou o mestrado, após perder dois filhos na Febem, antiga instituição destinada a crianças e adolescentes infratores de São Paulo.
Míriam fundou a Amparar (Associação de Amigos e Familiares de Presos/as), referência para as famílias cujos filhos estão em regime fechado e precisam de apoio. De onde vem essa força? Da transformação da dor em reação e combate.
Jhones, Michael e Miguel, filhos de Míriam, passaram pela Febem (atual Fundação Casa). Desde então, ela se uniu às “Mães da Febem” na briga por direitos fundamentais aos adolescentes apreendidos. Ela defendeu há pouco a dissertação no mestrado, na Universidade Federal do ABC: “Os Efeitos e Impactos da Política Prisional no Cotidiano das Mulheres Familiares de Encarcerados/as. Ser família de preso é crime?”.
História de mudança
Míriam tem uma história semelhante à de muitas famílias. Tudo começou com o filho mais velho, Jhones, que se envolveu com o mundo das drogas e passou a fazer pequenos furtos, depois roubos para sustentar a dependência química.
“Fiquei perdida. Não sabia lidar com aquilo e também não sabia para quem pedir ajuda”, desabafou ela, em depoimento à revista Marie Claire. “Nenhum órgão público me orientou. E não demorou muito para ele parar na Febem, em 1998.”
Com o filho lá, Míriam conheceu outras mães e ganhou a força que precisava para se ajudar e também a Jhones.
Segundo Míriam, pouco tempo depois os outros dois filhos também foram detidos e levados à Febem: Michael, primeiro, depois Miguel.
“Aquilo foi uma explosão para mim. Quando os filhos vão presos, olham para a mãe como se ela fosse a culpada. E a gente se sente mesmo péssima mãe. Além disso, eu sentia muita saudade deles.”
Lá ele soube que os filhos estavam sofrendo: “A tortura era evidente. Nós não víamos acontecendo, claro, mas a gente entrava nas unidades e, só pelo cheiro e pelo olhar dos presos, sabia que tinha tortura ali”.
Filho fugiu da Febem
Míriam relembra que o pior, foi em 1999, quando houve uma grande rebelião na Febem e o filho Jhones fugiu e foi parar em casa. Sem saber lidar com a situação e com medo, ela sabia que o jovem precisava de tratamento para a dependência química, não punição.
Ela conseguiu a internação para o filho numa clínica. “Jhones saiu limpo da clínica, dizendo: ‘Droga eu não uso nunca mais’, mas passou só 15 dias em casa”, lembrou ela, mas o adolescente foi assassinado logo em seguida.
“Essa bala que atravessou meu filho e tirou a vida dele tirou um pedaço da minha também. A perda dele foi muito difícil para mim, mas também foi difícil para os irmãos mais novos”.
Outro filho morto
Míriam lembrou que os filhos Michael e Miguel conseguiram ir ao enterro do irmão mais velho. “Tudo muito doloroso. O luto não cessa, mas àquela altura eu tinha outros dois filhos que dependiam de mim para continuar.”
Em seguida, o caçula Miguel saiu da Febem, menos de dois meses depois, também foi assassinado.
“Eu não conseguia acreditar”, reagiu. “O amor de uma mãe por um filho não tem fim, o luto também não.”
Filho teve AVC
E não parou por aí. O único filho vivo, Michael, sofreu dois acidentes vasculares cerebrais (AVCs), em consequência de torturas na Febem.
“Imagine: oito anos preso num espaço insalubre, que não tem água direito, nem alimentação nem sol, que preso vai sair dali com uma vida saudável?”, afirmou a mãe.
Amparar, a luta comum
À frente da Associação de Amigos e Familiares de Presos/as (Amparar), Míriam encontrou a força que precisava para seguir adiante.
“A Amparar, para mim, é um presente. Esse trabalho me ajuda muito. Penso que era disso que eu precisava lá atrás e hoje consigo fazer por outras mães passando pelo menos que eu passei.”
Segundo ela, foi essa força que a fez prosseguir com os estudos e defender a dissertação de mestrado.
Míriam sabe que sua luta está só começando.