Reencontro
Adonias chegava alcoolizado, como sempre, num final de noite, no horário da novela. O aroma de nicotina e cachaça impregnava os cômodos da humilde casa no bairro do Pituaçu, em Salvador. Com os olhos avermelhados, rotineiramente gritava com a mulher e com os filhos. O mais velho, de apelido Juninho, postava-se em posição de defesa, afinal, havia continuamente o receio de que voltasse a bater na mãe, Dona Mariinha, uma jovem senhora, miúda, que passava o dia na cozinha e a cuidar dos quatro rebentos.
Da construção em que trabalhava, Adonias ia direto para o bar. Do bar para a casa de prostituição em que era o rei. Dos filhos, exigia apenas que torcessem pelo Esporte Clube Bahia e fossem machos. Muito machos como o pai. Da mulher, só demonstrava carinho para exigir a deliciosa moqueca, servida tradicionalmente aos domingos, depois da feira, mesmo que muitas vezes deixasse no meretrício o dinheiro para comprar os ingredientes.
Juninho o temia. Via-o como um daqueles tiranos de pouco riso e muita sisudez, a quem não se podia chegar nem perto sem irritá-lo, e a quem sempre teria que fazer silêncio para respeitar as intermináveis ressacas. Aos sete anos, era essa a sua vida: vigiar o pai e ajudar a mãe na penosa tarefa de cuidar dos irmãos.
Certo domingo, Adonias olhou para Mariinha e disse que não queria mais ter o compromisso de sustentar quatro filhos e a mulher. Iria aproveitar a vida, sair sem rumo. Queria ser feliz. Bateu a porta, sem olhar para trás. Deixou ainda anotações de algumas contas vencidas, dentre as quais, o aluguel do casebre.
Se Mariinha sofreu, não se sabe. Não se deixou abater. As crianças precisavam dela e não iria as decepcionar. Ali mesmo na sala, montou seu pequeno restaurante. Juninho, na condição de primogênito, ficou responsável pela entrega das marmitas e, com o tempo, aprendeu a cozinhar divinamente bem, melhor do que a mãe.
Mariinha mostrava uma força descomunal, uma alegria de viver, sem evidenciar qualquer tristeza ou cansaço. Posteriormente, vendeu o restaurante para o filho que fundou a marca "Adonias Junior" que, em pouco mais de vinte anos, já mantinha restaurantes filiais nos bairros mais chiques da capital soteropolitana.
O menino Juninho, agora Adonias Junior, ficara rico. Do patrimônio que auferira, cumpriu a promessa que fizera à mãe e custeou os estudos dos três irmãos mais novos, dois médicos e um engenheiro. Além disso, parte de sua fortuna fora destinada para um instituto de caridade em que ensinava o ofício da culinária para crianças carentes da região, muitas das quais só frequentavam o curso para poder se alimentar.
No entanto, apesar de ser um homem realizado, Juninho guardava muito ódio e mágoa do pai. Não entendia o comportamento covarde e egoísta dele, de quem não tinha notícias há quase vinte anos, até descobrir que o velho Adonias encontrava-se internado num asilo público, em péssimas condições de higiene. Sem pestanejar, mandou um mensageiro até o abrigo de idosos, com o fito de providenciar sua transferência para outro local mais estruturado. Pagaria todas as despesas, mas o rancor continuava.
Dias depois, após uma noite insone, Juninho cochilou e teve um rápido sonho. Ao acordar, pela manhã bem cedo, dirigiu-se até a casa da mãe para agradecê-la por todo o esforço em sustentá-los nos momentos de dificuldade. A mãe limitou-se a dizer que não fizera nada demais, era seu papel de mãe. Depois, resolveu procurar o pai no novo abrigo. Constatou que estava sendo bem tratado, e aproximou-se sem tocá-lo:
"Agradeço-te, meu pai, por não ter tido coragem de enfrentar conosco os nossos desafios enquanto família. E, sendo assim, tive a felicidade de não ter em casa o seu modelo de vida, que poderia ter interferido no meu caráter futuro. Por isso, te perdoo."
O velho pai, com os olhos marejados, aproximara-se.
Abraçaram-se pela primeira vez.